segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Thesaurus e o poder classificatório



Em 2006, doei para a biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UFRGS) um exemplar do livro “A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal” (Editora Notadez, 2006), organizado pelos professores Salo de Carvalho e Rodrigo Azevedo. Esse livro foi produto de um evento realizado no Mestrado em Ciências Criminais (PUCRS), ocasião em que se reuniram estudantes e pesquisadores de distintos locais de fala - direito, antropologia, sociologia, psicologia, etc. -, dispostos a ampliar os horizontes de análise e reflexão - inter/trans, e, quem sabe, indisciplinar rsrs; acerca de temas como política criminal, justiça restaurativa, justiça instantânea, justiça terapêutica, entre outros. À época, alguns colegas das ciências sociais estavam pesquisando a justiça restaurativa em Porto Alegre, a partir da antropologia jurídica (Núcleo de Antropologia da Cidadania – NACI), sociologia jurídica e sociologia da violência... [sim, meus caros, eu sei, “especialização do conhecimento”]. Enfim, ao livro acrescentei um bilhete explicando as razões da doação e, sobretudo, de como ele interessaria aos estudantes de ciências sociais - como se isso fosse necessário hahaha. [E era!!!] O meu medo era de que o exemplar fosse diretamente enviado para a biblioteca setorial do direito – que, por sua vez, já dispunha de um exemplar. Pois bem, esses dias lembrei da tal doação e fui consultar o sistema da biblioteca (Sabi). O resultado é que apesar do bilhete – e, ainda, de uma conversa com o bibliotecário responsável - o livro foi parar na biblioteca do direito (contando, assim, com dois exemplares) rsrsrs.

Bueno, fizeram uma investigação a fim de apurar se o tal livro era, de fato, o que estava na biblioteca do direito. E era, rsrs. Segundo a funcionária com quem conversei, o bibliotecário responsável “considerou o livro demasiado jurídico”, rsrs, ‘não havendo sentido de realidade em se ter o mesmo na biblioteca setorial das ciências humanas’. Inclusive, a despeito de ela ter lembrado que “o Professor Rodrigo foi nosso professor do instituto”... Ele não deu ouvidos. Curioso né? O possível critério flexibilizante da classificação seria a pessoa do Rodrigo e não sua “área de conhecimento”, ou, mesmo, os temas que estavam referidos no livro. Não funcionou. Ademais, a conversa que tive e meu bilhete certamente se perderam em meio a tantos livros esperando catalogação e análise "atenta" dos expertos - qualquer analogia com o direito não é mera coincidência.

Fiquei pensando sobre o poder absoluto que detém o bibliotecário em limar, segmentar, “esquartejar”, definir o que pertence/cabe a esta ou aquela área, inclusive, no papel que desempenha para a própria manutenção do “saber disciplinar”. Ironia à parte, é verdade: a diferença é neutralizada – “crivo neutralizante do objetivismo intelectual” (Timm) - e, nesse caso, enviada para outra unidade setorial (biblioteca específica). Simples assim. “Viajando” um pouco mais: seria o bibliotecário o dirigente de uma agência primária de manutenção do logos no espaço acadêmico? Isto é, ao local que imaginamos como um espaço de emancipação/cultura/crescimento, a informação já se encontra filtrada, as possibilidades de pronto já estão restritas...

Bom, o texto já ficou longo demais...

Não dá para generalizar, de outra sorte, existem esforços interdisciplinares mais amplos... para que equívocos do gênero sejam minimizados... Diriam outros, ‘existem bibliotecas e bibliotecas’... Mas que se trata de mais uma forma de expressão da racionalidade instrumental/classificatória, se trata...

A funcionária, após me falar um pouco sobre o Thesaurus, espécie de “código” - livro - que determina os "parâmetros de classificação” [que depois descobri se tratar do nome de um dinossauro rsrs], a partir do qual os bibliotecários buscam, organizam e fundamentam suas decisões [qualquer analogia não é mera casualidade] me pediu desculpas... Não por ela, mas pelas contingências do “classificar”, digamos... ó pesado dinossauro... “Sei que não foi a melhor decisão, mas é assim que as coisas funcionam, desculpa!”. Altruisticamente, assenti com a cabeça e saí em direção à porta, pensando: “que feio, não faças isso nunca mais!”; sim, qualquer analogia com o direito não é mera coincidência...

2 comentários:

Marcelo Mayora disse...

Gostei do texto Vinícius, e é interessante pensar que não é só o direito quem se encerra no feudo, mas outros saberes também. Já vi, algumas vezes, o direito ser maltratado, no mal sentido, por sociólogos, ou seja, sociólogos falando sobre o direito de forma bastante rasa.

j. disse...

Oi Vini... aqui estou, correndo atrás do tempo, lendo teu texto, totalmente em (de)mora...
Gostei bastante e concordo de várias formas. Eu diria que este dinossauro está presente todo o tempo, em todos os lugares e circunstâncias... ao menos eu o vejo com certa frequencia andando por aí... Bjo