sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A Vingança da Natureza (por Juremir Machado da Silva)


Tudo bem, vinte vereadores de Porto Alegre resolveram entregar a ponta do Estaleiro ao apetite dos especuladores imobiliários. Devem ter achado que rio também é bom para tubarão. Que fazer? Proponho pensar, como faria o grande Jean Baudrillard, numa estratégia fatal, sinuosa, no contrapé. Para cada lance, sabe qualquer jogador, há sempre um antídoto. É truco e retruco. O prefeito José Fogaça ainda pode vetar a lei aprovada. Se fizer isso, ele se consagrará, podem apostar. Deixará de ser um bom prefeito por ter feito 'Vento Negro' e 'Porto Alegre É Demais', quando era muito menos, além de ter jogado a verborragia petista sobre as maravilhas do Orçamento Participativo para escanteio, para ser uma espécie de estadista inesperado e ousado. Em todo caso, nunca se deve contar realmente com milagres.
É mais fácil acreditar nas forças da natureza. Há quem garanta que a ponta do Estaleiro é inabitável, além de imprópria para banho. O calor é insuportável. Venta muito, terrivelmente. Quem tiver um janelão para o rio, uma cadeira cativa voltada para o fabuloso pôr-do-sol, nunca o poderá abrir, muito menos escancarar, sob pena de ver toda a louça importada se espatifar. Especialistas que não querem se identificar me indicaram que a temperatura ali pode chegar até 60 graus, com ventos de mais de 100 km/h. Quem comprar apartamentos nos espigões do pontal viverá para sempre fechado, escondido atrás de vidros escuros, isolado, ouvindo o melancólico assobiar de um vento maldito e impiedoso. Parece que os reflexos do sol nas águas do rio se intensificam à medida que a altura aumenta, quase cegando quem se atreve a fixá-los.
Reza a lenda, só agora divulgada, que nada se perpetua ali. A prova disso é que o Estaleiro Só, cujo nome já era prenúncio de tristeza e de fracasso, afundou. O Pontal do Estaleiro terá de enfrentar essa maldição silenciosa e secular, embora desconhecida. Historiadores que já morreram e não deixaram textos, por serem adeptos da história oral, teriam dito que ali morreu um índio, um farroupilha e um imperial, todos tentando tomar posse daquela área em nome de alguma utopia jamais bem sustentada. Nunca se deve dar ouvidos a esse tipo de boato, mas é sempre bom lembrar que onde há fumaça sempre pode haver também interesse imobiliário ou especulativo. Nem vou falar dos fantasmas que vagam por ali arrastando correntes e entoando cânticos de velhos marinheiros, saudosos de viagens que nunca fizeram pelos oceanos.
Não pretendo assustar futuros compradores. Advirto apenas que, segundo essa lenda, se gremista for morar ali, por exemplo, o Grêmio passará 101 anos sem ganhar um título. Não consegui apurar o que poderá acontecer com o Internacional no caso de os colorados se deixarem seduzir pelo canto de sereia dos especuladores, mas é quase certo que seria punido com 99 derrotas consecutivas para o Juventude, que se tornaria a força máxima do futebol gaúcho. Coisas ainda mais esquisitas e graves podem acontecer, como o proprietário de um apartamento luxuoso se tornar subitamente torcedor da Argentina ou fã do Galvão Bueno. Parece que o assobio do vento é tão forte, tão triste, tão choroso e violento que lembra um show interminável de Zezé di Camargo e Luciano ou um remake de Wando fazendo parceria com Benito di Paula. Enfim, cumpro o meu trabalho, aviso, que é para ninguém se surpreender.



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