quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Louk Hulsman e o retrato de um tempo



Florianópolis, agosto de 2002. Achutti (Daniel), Beto (Roberto Rodrigues), Ruivo (Marcelo), Thiago (Liden) e eu... Congresso Internacional de Direito Alternativo... Um tempo em que tudo era aparição, estávamos imersos numa atmosfera oscilante entre os sentimentos de urgência e descoberta. Éramos modernos sem saber, angustiados, nervosos, sedentos por conhecer, dominar, controlar e, sobretudo, classificar. Ninguém escapou de nossas – ou, por vezes, alheias e levianamente empregadas – taxonomias... Curiosos diálogos que se estabeleciam acerca de um mundo que se abria diante dos nossos olhos... Momento de estranhamentos... Assim, conhecemos o Sr. Louk Hulsman.

Legitimamente, conhecer. Entre nós circulava breve referência sobre ele (e sua obra)... Senão me engano, alguma palestra do Salo em que seu nome fez-se notar... Thiago levava consigo o livro “Penas perdidas”, já esgotado... Aliás, cujo apreço pela obra era tão grande que resolveu me vender por quinze ou vinte reais... Não lembro se parcelados, ou pagos sob a forma de gêneros alimentícios... Éramos estagiários... Enfim, recursos escassos... [Desnecessário dizer que o Thiago se arrependeu amargamente, rsrs].

Louk foi extremamente amável. Ao longo da semana tivemos a oportunidade de assistir um curso por ele ministrado, sobre o abolicionismo penal e suas alternativas. De plano, fez-nos compreender a arte do encontro. Inglês, francês e um pouco (?) de mímica foram suficientes para ingressar no ambiente de seu pensamento. Acredito que sua postura foi o que mais me marcou: tudo muito intuitivo, fraterno e solidário. Relatava com naturalidade as suas experiências culinárias envolvendo combinações pouco usuais... “Quando experimentamos coisas novas, temos o risco do desconhecido, mas, ao mesmo tempo, poderemos obter resultados inigualáveis”. Surpreendentemente, estendendo-as ao exame crítico do sistema criminal.

À época, Alexandre Wunderlich havia nos incumbido de escrever um artigo sobre a “Execução penal antecipada”; o que se levou a cabo nos meses subseqüentes. Esse escrito trazia em suas considerações finais uma curiosa frase de García Márquez: “(...) a procura das coisas perdidas é dificultada pelos hábitos rotineiros e é por isso que dá tanto trabalho encontrá-las” (Cem anos de solidão). Pois os hábitos rotineiros me levaram a fazer pouco caso das fotografias que tenho na parede de meu quarto, e que guardam consigo momentos muito importantes de minha vida. Acredito, inclusive, que os hábitos rotineiros têm me levado a esquecer/descuidar um tanto de mim. A notícia da morte de Louk Hulsman - quinta-feira passada (29/01/2009) - deixou-me um tanto triste... Fez-me lembrar daquele retrato “estampado” na parede, que tanto revela sobre a minha trajetória, assim como a dos meus amigos. Retrato de um tempo, é verdade... Mas que me leva a pensar que a presença de Louk não passou incólume sobre nós. E, de certa forma, permanece(rá) viva.

Muito obrigado, Louk Hulsman.