quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A Biblioteca de Babel (Jorge Luis Borges)

By this art you may contemplate the variation of the 23 letters...

(The Anatomy of Melancholy, part. 2, sect. II, mem. IV.)

O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal. Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé; outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito. No vestíbulo há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que essa duplicação ilusória?), prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito... A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é insuficiente, incessante.

Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos; agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer, a poucas léguas do hexágono onde nasci. Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita. Afirmo que a Biblioteca é interminável. Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço, Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (Os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus.) Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: "A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível".

A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta. Também há letras no dorso de cada livro; essas letras não indicam ou prefiguram o que dirão as páginas. Sei que essa inconexão, certa vez, pareceu misteriosa. Antes de resumir a solução (cuja descoberta, apesar de suas trágicas projeções, é talvez o fato capital da história), quero rememorar alguns axiomas.

O primeiro: A Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiurgos malévolos; o universo, com seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante e de latrinas para o bibliotecário sentado, somente pode ser obra de um deus. Para perceber a distância que há entre o divino e o humano, basta comparar esses rudes símbolos trêmulos que minha falível mão garatuja na capa de um livro, com as letras orgânicas do interior: pontuais, delicadas, negríssimas, inimitavelmente simétricas.

O segundo: O número de símbolos ortográficos é vinte e cinco(1). Esta comprovação permitiu, depois de trezentos anos, formular uma teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma conjetura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros. Um, que meu pai viu em um hexágono do circuito quinze noventa e quatro, constava das letras MCV perversamente repetidas da primeira linha até a última. Outro (muito consultado nesta área) é um simples labirinto de letras, mas a página penúltima diz Oh, tempo tuas pirâmides. Já se sabe: para uma linha razoável ou uma correta informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de incoerências. (Sei de uma região montanhosa cujos bibliotecários repudiam o supersticioso e vão costume de procurar sentido nos livros e o equiparam ao de procurá-lo nos sonhos ou nas linhas caóticas da mão... Admitem que os inventores da escrita imitaram os vinte e cinco símbolos naturais, mas sustentam que essa aplicação é casual, e que os livros em si nada significam. Esse ditame, já veremos, não é completamente falaz.)

Durante muito tempo, acreditou-se que esses livros impenetráveis correspondiam a línguas pretéritas ou remotas. É verdade que os homens mais antigos, os primeiros bibliotecários, usavam uma linguagem assaz diferente da que falamos agora; é verdade que algumas milhas à direita a língua é dialetal e que noventa andares mais acima é incompreensível. Tudo isso, repito-o, é verdade, mas quatrocentas e dez páginas de inalteráveis MCV não podem corresponder a nenhum idioma, por dialetal ou rudimentar que seja. Uns insinuaram que cada letra podia influir na subseqüente e que o valor de MCV na terceira linha da página 71 não era o que pode ter a mesma série noutra posição de outra página, mas essa vaga tese não prosperou. Outros pensaram em criptografias; universalmente essa conjetura foi aceita, ainda que não no sentido em que a formularam seus inventores.

Há quinhentos anos, o chefe de um hexágono superior(2) deparou com um livro tão confuso como os outros, porém que possuía quase duas folhas de linhas homogêneas. Mostrou seu achado a um decifrador ambulante, que lhe disse que estavam redigidas em português; outros lhe afirmaram que em iídiche. Antes de um século pôde ser estabelecido o idioma: um dialeto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico. Também decifrou-se o conteúdo: noções de análise combinatória, ilustradas por exemplos de variantes com repetição ilimitada. Esses exemplos permitiram que um bibliotecário de gênio descobrisse a lei fundamental da Biblioteca. Esse pensador observou que todos os livros, por diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula, as vinte e duas letras do alfabeto. Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram: "Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos". Dessas premissas incontrovertíveis deduziu que a Biblioteca é total e que suas prateleiras registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos ortográficos (número, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o que é dado expressar: em todos os idiomas. Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpelações de cada livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu) sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.

Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloqüente solução não existisse: em algum hexágono. O universo estava justificado, o universo bruscamente usurpou as dimensões ilimitadas da esperança. Naquele tempo falou-se muito das Vindicações: livros de apologia e de profecia, que para sempre vindicavam os atos de cada homem do universo e guardavam arcanos prodigiosos para seu futuro. Milhares de cobiçosos abandonaram o doce hexágono natal e precipitaram-se escadas acima, premidos pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação. Esses peregrinos disputavam nos corredores estreitos, proferiam obscuras maldições, estrangulavam-se nas escadas divinas, jogavam os livros enganosos no fundo dos túneis, morriam despenhados pelos homens de regiões remotas. Outros enlouqueceram... As Vindicaçôes existem (vi duas que se referem a pessoas do futuro, a pessoas talvez não imaginárias), mas os que procuravam não recordavam que a possibilidade de que um homem encontre a sua, ou alguma pérfida variante da sua, é computável em zero.

Também se esperou então o esclarecimento dos mistérios básicos da humanidade: a origem da Biblioteca e do tempo. E verossímil que esses graves mistérios possam explicar-se em palavras: se não bastar a linguagem dos filósofos, a multiforme Biblioteca produzirá o idioma inaudito que se requer e os vocabulários e gramáticas desse idioma. Faz já quatro séculos que os homens esgotam os hexágonos... Existem investigadores oficiais, inquisidores. Eu os vi no desempenho de sua função: chegam sempre estafados; falam de uma escada sem degraus que quase os matou; falam de galerias e de escadas com o bibliotecário; às vezes, pegam o livro mais próximo e o folheiam, á procura de palavras infames. Visivelmente, ninguém espera descobrir nada.

À desmedida esperança, sucedeu, como é natural, uma depressão excessiva. A certeza de que alguma prateleira em algum hexágono encerrava livros preciosos e de que esses livros preciosos eram inacessíveis afigurou-se quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que cessassem as buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até construir, mediante um improvável dom do acaso, esses livros canônicos. As autoridades viram-se obrigadas a promulgar ordens severas. A seita desapareceu, mas na minha infância vi homens velhos que demoradamente se ocultavam nas latrinas, com alguns discos de metal num fritilo proibido, e debilmente arremedavam a divina desordem.

Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões de livros. Seu nome é execrado, mas aqueles que deploram os "tesouros" destruídos por seu frenesi negligenciam dois fatos notórios. Um: a Biblioteca é tão imensa que toda redução de origem humana resulta infinitesimal. Outro: cada exemplar é único, insubstituível, mas (como a Biblioteca é total) há sempre várias centenas de milhares de fac-símiles imperfeitos: de obras que apenas diferem por uma letra ou por uma vírgula, Contra a opinião geral, atrevo-me a supor que as conseqüências das depredações cometidas pelos Purificadores foram exageradas graças ao horror que esses fanáticos provocaram, Urgia-lhes o delírio de conquistar os livros do Hexágono Carmesim: livros de formato menor que os naturais; onipo. tentes, ilustrados e mágicos.

Também sabemos de outra superstição daquele tempo: a do Homem do Livro. Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus. Na linguagem desta área persistem ainda vestígios do culto desse funcionário remoto.

Muitos peregrinaram à procura d'Ele. Durante um século trilharam em vão os mais diversos rumos. Como localizar o venerado hexágono secreto que o hospedava? Alguém propôs um método regressivo: Para localizar o livro A, consultar previamente um livro B, que indique o lugar de A; para localizar o livro B, consultar previamente um livro C, e assim até o infinito... Em aventuras como essas, prodigalizei e consumi meus anos. Não me parece inverossímil que em alguma prateleira do universo haja um livro total;(3) rogo aos deuses ignorados que um homem - um só, ainda que seja há mil anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não estão para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, embora meu lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser, Tua enorme Biblioteca se justifique.

Afirmam os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e que o razoável (e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção. Falam (eu o sei) de "a Biblioteca febril, cujos fortuitos volumes correm o incessante risco de transformar-se em outros e que tudo afirmam, negam e confundem como uma divindade que delira". Essas palavras, que não apenas denunciam a desordem mas que também a exemplificam, provam, evidentemente, seu gosto péssimo e sua desesperada ignorância. De fato, a Biblioteca inclui todas as estruturas verbais, todas as variantes que permitem os vinte e cinco símbolos ortográficos, porém nem um único disparate absoluto. Inútil observar que o melhor volume dos muitos hexágonos que administro intitula-se Trono Penteado, e outro A Cãibra de Gesso e outro Axaxaxas mlö. Essas proposições, à primeira vista incoerentes, sem dúvida são passíveis de uma justificativa criptográfica ou alegórica; essa justificativa é verbal e, ex hypothesí, já figura na Biblioteca. Não posso combinar certos caracteres

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que a divina Biblioteca não tenha previsto e que em alguma de suas línguas secretas não contenham um terrível sentido. Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e de temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. Esta epístola inútil e palavrosa já existe num dos trinta volumes das cinco prateleiras de um dos incontáveis hexágonos - e também sua refutação. (Um número n de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; em alguns, o símbolo biblioteca admite a correta definição ubíquo e perdurável sistema de galerias hexagonais, mas biblioteca é pão ou pirâmide ou qualquer outra coisa, e as sete palavras que a definem têm outro valor. Você, que me lê, tem certeza de entender minha linguagem?)

A escrita metódica distrai-me da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos fantasmagoriza. Conheço distritos em que os jovens se prostram diante dos livros e beijam com barbárie as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra. As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que inevitavelmente degeneram em bandoleirismo, dizimaram a população. Acredito ter mencionado os suicídios, cada ano mais freqüentes. Talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana - a única - está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.

Acabo de escrever infinita. Não interpelei esse adjetivo por costume retórico; digo que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Aqueles que o julgam limitado postulam que em lugares remotos os corredores e escadas e hexágonos podem inconcebivelmente cessar - o que é absurdo. Aqueles que o imaginam sem limites esquecem que os abrange o número possível de livros. Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança.(4)

Mar del Plata, 1941.

Notas

1. O manuscrito original não contém algarismos ou maiúsculas. A pontuação foi limitada à vírgula e ao ponto. Esses dois signos, o espaço e as vinte e duas letras do alfabeto são os vinte e cinco símbolos suficientes que enumera o desconhecido (nota do editor).

2. Antes, em cada três hexágonos havia um homem. O suicídio e as enfermidades pulmonares destruíram essa proporção. Lembrança de indizível melancolia: às vezes, viajei muitas noites por corredores e escadas polidas sem encontrar um único bibliotecário.

3. Repito-o: basta que um livro seja possível para que exista. Somente está excluído o impossível. Por exemplo: nenhum livro é também unia escada, ainda que, sem dúvida, haja livros que discutem e neguem e demonstrem essa possibilidade e outros cuja estrutura corresponde à de uma escada.

4. Letizia Álvarez de Toledo observou que a vasta Biblioteca é inútil; a rigor, bastaria um único volume, de formato comum, impresso em corpo nove ou em corpo dez, composto de um número infinito de folhas infinitamente delgadas. (Cavalieri, em princípios do século XVII, disse que todo corpo sólido é superposição de um número infinito de planos.) O manuseio desse vade mecum sedoso não seria cômodo: cada folha aparente se desdobraria em outras análogas; a inconcebível folha central não teria reverso.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Thesaurus e o poder classificatório



Em 2006, doei para a biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UFRGS) um exemplar do livro “A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal” (Editora Notadez, 2006), organizado pelos professores Salo de Carvalho e Rodrigo Azevedo. Esse livro foi produto de um evento realizado no Mestrado em Ciências Criminais (PUCRS), ocasião em que se reuniram estudantes e pesquisadores de distintos locais de fala - direito, antropologia, sociologia, psicologia, etc. -, dispostos a ampliar os horizontes de análise e reflexão - inter/trans, e, quem sabe, indisciplinar rsrs; acerca de temas como política criminal, justiça restaurativa, justiça instantânea, justiça terapêutica, entre outros. À época, alguns colegas das ciências sociais estavam pesquisando a justiça restaurativa em Porto Alegre, a partir da antropologia jurídica (Núcleo de Antropologia da Cidadania – NACI), sociologia jurídica e sociologia da violência... [sim, meus caros, eu sei, “especialização do conhecimento”]. Enfim, ao livro acrescentei um bilhete explicando as razões da doação e, sobretudo, de como ele interessaria aos estudantes de ciências sociais - como se isso fosse necessário hahaha. [E era!!!] O meu medo era de que o exemplar fosse diretamente enviado para a biblioteca setorial do direito – que, por sua vez, já dispunha de um exemplar. Pois bem, esses dias lembrei da tal doação e fui consultar o sistema da biblioteca (Sabi). O resultado é que apesar do bilhete – e, ainda, de uma conversa com o bibliotecário responsável - o livro foi parar na biblioteca do direito (contando, assim, com dois exemplares) rsrsrs.

Bueno, fizeram uma investigação a fim de apurar se o tal livro era, de fato, o que estava na biblioteca do direito. E era, rsrs. Segundo a funcionária com quem conversei, o bibliotecário responsável “considerou o livro demasiado jurídico”, rsrs, ‘não havendo sentido de realidade em se ter o mesmo na biblioteca setorial das ciências humanas’. Inclusive, a despeito de ela ter lembrado que “o Professor Rodrigo foi nosso professor do instituto”... Ele não deu ouvidos. Curioso né? O possível critério flexibilizante da classificação seria a pessoa do Rodrigo e não sua “área de conhecimento”, ou, mesmo, os temas que estavam referidos no livro. Não funcionou. Ademais, a conversa que tive e meu bilhete certamente se perderam em meio a tantos livros esperando catalogação e análise "atenta" dos expertos - qualquer analogia com o direito não é mera coincidência.

Fiquei pensando sobre o poder absoluto que detém o bibliotecário em limar, segmentar, “esquartejar”, definir o que pertence/cabe a esta ou aquela área, inclusive, no papel que desempenha para a própria manutenção do “saber disciplinar”. Ironia à parte, é verdade: a diferença é neutralizada – “crivo neutralizante do objetivismo intelectual” (Timm) - e, nesse caso, enviada para outra unidade setorial (biblioteca específica). Simples assim. “Viajando” um pouco mais: seria o bibliotecário o dirigente de uma agência primária de manutenção do logos no espaço acadêmico? Isto é, ao local que imaginamos como um espaço de emancipação/cultura/crescimento, a informação já se encontra filtrada, as possibilidades de pronto já estão restritas...

Bom, o texto já ficou longo demais...

Não dá para generalizar, de outra sorte, existem esforços interdisciplinares mais amplos... para que equívocos do gênero sejam minimizados... Diriam outros, ‘existem bibliotecas e bibliotecas’... Mas que se trata de mais uma forma de expressão da racionalidade instrumental/classificatória, se trata...

A funcionária, após me falar um pouco sobre o Thesaurus, espécie de “código” - livro - que determina os "parâmetros de classificação” [que depois descobri se tratar do nome de um dinossauro rsrs], a partir do qual os bibliotecários buscam, organizam e fundamentam suas decisões [qualquer analogia não é mera casualidade] me pediu desculpas... Não por ela, mas pelas contingências do “classificar”, digamos... ó pesado dinossauro... “Sei que não foi a melhor decisão, mas é assim que as coisas funcionam, desculpa!”. Altruisticamente, assenti com a cabeça e saí em direção à porta, pensando: “que feio, não faças isso nunca mais!”; sim, qualquer analogia com o direito não é mera coincidência...

O Eu entre a Sala de Aula e o Divã (Salo de Carvalho)

Baita texto, "furtado" do blog do Salo! Reflete muito bem o que eu sinto em relação à minha breve experiência docente - quase um ano e meio -, enfim, um texto que gostaria de ter escrito... tá, precisa de mais justificativas?! rsrs



O Eu entre a Sala de Aula e o Divã

A sala de aula é um espaço fantástico quando se tem o desejo de nela estar. Quando não é uma tortura para o professor e para o aluno; quando não há conflito e beligerância nesta relação; quando se está lá por prazer.
Ao longo dos meus 15 anos de docência – iniciei em 1995 na Unisinos, embora tenha tido experiências na UFSC em 1994 –, vários momentos de desencanto com a sala de aula foram sentidos. Em sua grande maioria o descontentamento com a docência era oriundo da minha insatisfação geral: eram momentos de crise pessoal que refletiam no espaço de convívio acadêmico.
Mas além de nos refletir, a sala de aula é um grande espaço de aprendizado, sobretudo para o professor. O deixar fluir solto o discurso permite que surjam pensamentos assustadores, que venham à superfície idéias contagiantes. O processo é quase psicanalítico: sala de aula e divã tem uma identidade muito especial.
Talvez por esta razão Warat sempre utilize a metáfora do espaço de ensino como um concerto de jazz onde a improvisação e a espontaneidade têm fundamental importância. Em certa ocasião, ao debater com um jovem professor que defendia a necessidade de intensa preparação da aula e de o professor seguir ipsis litteris os programas de ensino, Warat, com seu sarcasmo-ironia (pouco) tradicional, desconcertou o dogmata ao perguntar: “Você prepara suas relações afetivas? Você estabelece um roteiro para uma relação sexual?” Pasmo, o jovem burodogmata ficou estarrecido. Warat segue: “Se você prepara suas relações afetivas tenho pena de você e, principalmente, do teu ou da tua amante.”
É lógico que em disciplinas “duras” e “dogmáticas” há uma certa (digo uma certa) ordem a ser seguida. Mas o fundamental é entrar na sala de aula desarmado, pronto para uma nova experiência. O tema da aula (o ponto da matéria previsto no programa para ser desenvolvido) deve ser o motivo para o início de um diálogo entre professor e aluno. Diálogo que ambos sabem pode levar (ou ser levado) para qualquer outro lugar.
É com esta postura que o fazer docente emerge em mim como desejo e prazer. Apesar das burocracias, apesar dos desinteresses, apesar das cobranças, apesar dos pesares.
PS: o divã da foto é 'o' divã fundamental, aquele do Sig.

domingo, 27 de setembro de 2009

I Conversas Jurídicas Cruzadas (CNEC/Osório - ICA)







Se pudesse escolher uma palavra para caracterizar o evento realizado em Osório, eu diria celebração. Celebração da amizade e do diálogo, e, mais: tratou-se do primeiro encontro de ciências criminais promovido pela Faculdade de Direito da FACOS (CNEC/Osório) e pelo Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA). Agradeço à pessoa do Prof. Vilmar Pacheco, coordenador do curso de direito, grande entusiasta desse encontro, bem como aos palestrantes, que gentilmente aceitaram nosso convite e foram diretamente responsáveis pelo êxito deste "I Conversas Jurídicas Cruzadas (CNEC/Osório - ICA).

Abaixo reproduzo a nota publicada no site da Facos:

25.09.09 SUCESSO: I CONVERSAS JURÍDICAS CRUZADAS

O I Conversas Jurídicas Cruzadas teve participação bastante grande dos acadêmicos do curso de Direito, inclusive com a presença de alunos e professores de outros cursos da FACOS.
O elevado nível dos palestrantes e os atuais temas de diferentes abordagens à Criminologia, Política Criminal e Violência fizeram com que certamente fosse apreendido muito conhecimento por parte dos assistentes.
No primeiro dia do evento (23) os palestrantes foram os Professores Moysés da Fontoura Pinto Neto, Saulo Marimon, Raffaella Pallamolla e a nossa Professora Fernanda Osório; no segundo dia (24), fomos brindados pelos palestrantes José Antônio Gerzson Linck, Alexandre Costi Pandolfo, Marcelo Mayora e nosso Professor Daniel Achutti.
Importante frisarmos e enaltecermos a participação de nossos Professores Vinícius Gil Braga, Daniel Achutti e Fernanda Osório, que aceitaram o desafio e se prontificaram de escolher os temas a serem abordados, indicar os palestrantes, convidar e trazer, sem qualquer custo para a FACOS, tão jovens e estudiosos pesquisadores e professores da área criminal.
Não podíamos deixar de ressaltar, ainda, que nossos professores, em suas palestras e abordagens, demonstraram, sem deixar dúvida, que têm plenas condições e conhecimento para pesquisar e debater com professores de outras instituições de ensino e de grande formação acadêmica e humana.
Agora fica o desafio aos demais professores de nosso corpo docente:
Quem se habilita a organizar o II Conversas Jurídicas Cruzadas?


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

I Conversas Jurídicas Cruzadas (CNEC/Osório - ICA)

Organização: Curso de Direito (FACOS) / Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA)
Horário: 19h30min

Programação

Dia 23/09 (4ª-feira)

“Direito Penal do Inimigo e sistema carcerário brasileiro: o que é um campo?”
Moysés da Fontoura Pinto Neto
Especialista e Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Professor do Departamento de Ciências Penais da UFRGS e da ULBRA. Conselheiro do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA).

“Polícia da Polícia: a violência da polícia civil vista a partir da COGEPOL (1999-2004).”
Saulo Marimon
Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Professor de Direito Processual Penal (Faculdade Dom Alberto – Santa Cruz do Sul/RS). Professor Convidado do Curso de Pós-Graduação em Gestão Penitenciária da Faculdade de Direito da UFRGS.

"Justiça Restaurativa: da teoria à prática."
Raffaella Pallamolla
Advogada criminalista. Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Mestre em Criminologia e execução penal e Doutoranda em Direito Público (Universidade Autônoma de Barcelona). Professora de Direito Penal (FACENSA). Membro da Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas da OAB/RS. Conselheira do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA).

“Interrogatório por videoconferência e os direitos do acusado.”
Fernanda Osorio
Advogada criminalista. Especialista e Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Professora de Direito Penal e Processual Penal (Unilasalle e FACOS).


Dia 24/09 (5ª-feira)

“Criminologia e Pós-Modernidade.”
José Antônio Gerzson Linck
Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Professor de Direito Penal (Faculdade Dom Alberto - Santa Cruz do Sul/RS). Conselheiro do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA).

“A Criminologia Cultuada.”
Alexandre Costi Pandolfo
Mestrando em Ciências Criminais (PUCRS). Conselheiro do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA).

“Drogas: entre a cultura do controle e o controle cultural.”
Marcelo Mayora
Advogado criminalista. Especialista e Mestrando em Ciências Criminais (PUCRS). Conselheiro do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA).

“Criminologia Cultural e Justiça Restaurativa: aproximações desde o abolicionismo penal.”
Daniel Achutti
Advogado criminalista. Mestre e Doutorando em Ciências Criminais (PUCRS). Professor de Direito Penal (FACOS) e Direito Processual Penal (Faculdade Dom Alberto - Santa Cruz do Sul/RS). Membro da Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas da OAB/RS. Conselheiro do Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA).